Vou contar-vos uma história

A verdadeira oposição na Madeira sempre viveu com ameaças e perseguições

Logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, na Madeira, a sociedade madeirense entrou em ebulição que foi demonstrada no 1º de Maio, desse mesmo ano, onde milhares de pessoas, de todos os Concelhos da Região, vieram para a rua se manifestar à volta de algumas palavras de ordem, das quais realço: NEM MAIS UM SOLDADO PARA AS COLÓNIAS, A MADEIRA NÃO É CAIXOTE DO LIXO, AMÉRICO THOMAZ AQUI NÃO MANDAS MAIS, DEMOCRACIA POPULAR PARA O POVO, etc... Esta foi, até hoje, a maior manifestação realizada na Madeira.

Entretanto outras mais se realizaram, também com muita importância, sobretudo relacionadas com as reivindicações laborais e por direitos de igualdade e cidadania. Começaram, então, as divisões sociais, sobretudo depois do poder regional eleito, sempre do mesmo partido até hoje. Toda a gente que saía à rua em manifestação era alcunhado pelo poder de arruaceiro, comunista, vadio, anti-autonomista, etc...

Antes das primeiras eleições em 1976, houve gente, muita da qual apareceu depois ligada ao poder, que desencadeou uma campanha de perseguição terrorista a pessoas da oposição, destruindo bens, atacando sedes partidárias e perseguindo pessoas de noite e de dia, chegando a pedir a expulsão de algumas delas da nossa região. Eu fui uma das pessoas consideradas “persona non grata”.

A verdadeira oposição na Madeira sempre viveu com ameaças e perseguições. Às pessoas mais conhecidas da oposição era-lhes negado tudo. Até uma casa alugada num bairro social. A campanha era feita nas casas e as famílias educavam as crianças neste ambiente. Em muitas escolas da época, era “quase natural” quando passava alguém mais conhecido da oposição, as crianças chamarem todos os nomes que ouviam em casa. A mim chamavam “ali vai a Zarolha, a comunista” etc... Era muito doloroso, arrepiante, e muitas vezes era preciso ter uma força muito grande para não desistir e continuar. É difícil descrever o quanto custava...

Entretanto, porque muitos/as nunca desistiram, e mostraram que a democracia precisava das suas reivindicações, e das suas lutas, pelos direitos para o povo, a vida foi se normalizando e a democracia também. Com altos e baixos, com pessoas que vão morrer e nunca vão perceber o que é viver em democracia, e nunca vão aceitar as opiniões diferentes. Mesmo assim, hoje o debate está mais “normalizado”, tirando os rasgos que, de vez em quando, nos poem em alerta de que, afinal, não podemos dar nada por adquirido e precisamos estar atentos/as, porque as ameaças estão aí...

São os racismos de quem diz “eu até tenho amigos pretos mas eles não podem ter os mesmos direitos do que eu”. São os homofóbicos que dizem, “eu até convivo com gays e lésbicas mas não quero que a minha família saiba, porque estou a dar um mau exemplo aos mais novos”. São os/as “amigos/as” dos/as Venezuelanos/as que, por detrás das costas, os/as acusam de lhes estar a tirar os empregos e as casas que acham que “deveriam ter primeiro” etc... São os partidos políticos, particularmente os ligados ao poder, que continuam a encontrar os bodes expiatórios em tudo, menos em si mesmos. É a falta de demarcação ideológica e política. Tudo se confunde. Parece tudo igual. Enquanto isto se mantiver, é difícil aguentar como antes.

É na demarcação clara do que defendemos e queremos que faremos a diferença. Não tenhamos medo de ser diferentes, se tivermos razão. Se encontrarmos eco naquilo que o povo quer, teremos o seu apoio. Se não for a maioria, será sempre um voto consciente e não manipulado. Eu também gostaria muito que o meu partido tivesse mais força e elegesse mais representantes, até para influenciar positivamente as governações, mas isso só será bom se tivermos clareza nas propostas políticas e ideológicas que fizermos, sem medo de ir ao debate.

 

 

Publicado em dnoticias.pt