Sobre a revisão do Estatuto...
Começo por dizer que entendo que esta é uma temática que deverá merecer um consenso generalizado traduzido numa proposta de revisão saída da nossa Assembleia Regional, que seja resultado do contributo de todos e que sobretudo seja dignificante de um regime autonómico que se deseja ver mais aperfeiçoado, mais democrático e mais justo. Neste pressuposto, é fundamental que a proposta a consensualizar não enferme de conteúdos que posteriormente constituam óbices a uma aprovação em sede da Assembleia da República, a uma promulgação pelo Presidente da República e a uma apreciação da inconstitucionalidade e ilegalidade por parte do Tribunal Constitucional. Nesta medida não se consegue compreender o teor de algumas propostas apresentadas pelo PSD, nomeadamente a da criação de um sistema fiscal próprio e a extinção do cargo de Representante da República, as quais colidem frontalmente com a Constituição em vigor. Pergunto: esta situação, justificada com o cariz “ambicioso” da mesma, não é mais do que uma postura que em última instância resultará numa reprovação de uma proposta objetivamente inconstitucional? Desde quando uma suposta “ambição” é sinónimo de imprudência, falta de razoabilidade e bom senso no seu teor? Quererá mesmo o PSD rever e aperfeiçoar o nosso EPARAM? Será que este “modus operandi” é a estratégia mais eficiente e eficaz para a prossecução dessa revisão? Sinceramente, não nos parece. Não queiram assim contar com o Bloco de Esquerda para ser cúmplice e conivente com atitudes que irão perpetuar um contencioso das autonomias, que em nada beneficia os cidadãos que cá residem.
Continuando a discorrer sobre as propostas que estão em cima da mesa, existe uma que merece alguma reflexão mais aprofundada. Refiro-me concretamente à criação de um círculo eleitoral próprio para os cidadãos com dupla residência, na Região e no estrangeiro. Pretende-se com esta medida garantir que os nossos emigrantes possam eleger representantes na ALRAM. A ser aprovada esta medida, desde logo uma discriminação ulterior é criada, nomeadamente a que irá se verificar com os nossos conterrâneos residentes no continente e nos Açores. Explico melhor: os madeirenses emigrados terão direito a eleger deputados para a ALRAM, mas os madeirenses residentes no restante território português continuarão a não poder votar para a mesma. Esta situação não é injusta e discriminatória?
Assim, o que importa verdadeiramente é aproveitar este processo de revisão para se elaborar uma proposta, dentro do quadro normativo constitucional vigente, que torne a nossa autonomia mais democrática e justa. Aproveito assim esta oportunidade para enunciar algumas das medidas apresentadas pelo BE, as quais respeitando os ditames da nossa Constituição, serão sem sombra de dúvida um meio para dignificar e democratizar ainda mais a nossa autonomia: a implementação de um novo método de conversão dos votos em mandatos. A CRP estabelece no seu articulado que terá de ser usado um método de representação proporcional, mas não define qual. Presentemente temos um partido com a maioria absoluta dos deputados na ALRAM, mas que só obteve 44% dos votos. Esta situação resulta da aplicação do método de Hondt, que premeia e favorece os partidos com maior votação, distorcendo a real expressão eleitoral. Propomos um outro método, o de Saint-Lague, no qual a distribuição dos mandatos é mais consentânea com as percentagens obtidas pelos partidos. Este método aplicado nas regionais de 2015, teria implicado que o PSD elegeria 21 deputados, tendo assim 44% dos deputados eleitos (a mesma percentagem da votação). Propomos também que grupos de cidadãos possam concorrer em listas próprias à ALRAM, na mesma linha do que já ocorre com as eleições autárquicas. Outra proposta consiste em baixar para 300 o número de subscritores de uma petição para que a mesma possa ser discutida no plenário da ALM, em oposição aos atuais 2000 e em igualdade com o que já se aplica nos Açores. Propõe-se ainda que as listas de candidatos a deputados sejam paritárias, impondo-se a obrigatoriedade da existência dos dois géneros em cada grupo sequencial de três candidatos.
Estas propostas são algumas que julgamos deverem ser aprovadas e implementadas, pois para além de serem constitucionais, elevarão a qualidade democrática e cívica da nossa Autonomia. Haja boa vontade coletiva para que as mesmas sejam uma realidade estatutária. A dignificação da nossa Autonomia assim o exige!
Artigo originalmente publicado no JM-Madeira