Sobre a Eutanásia...
No âmbito dessa discussão, muita foi a argumentação aduzida por ambas as partes (pró e contra). Pretendo nesta minha breve reflexão, comentar parte da mesma:
Um primeiro tipo de argumento prendeu-se com a natureza do debate sobre esta matéria. Foi dito que não houve debate público e prolongado. Pois bem, o próprio Presidente da República reconheceu que a eutanásia foi objeto de um debate aprofundado na sociedade, pelos partidos políticos, pelos movimentos sociais, e por ele próprio. Passos Coelho quando ainda era líder do PSD afirmou que “ninguém pode dizer que se trata de uma surpresa nem de uma iniciativa pouco ponderada. Todos os grupos parlamentares e partidos tal como os cidadãos preocupados e atentos a estes assuntos tiveram assim tempo suficiente para fazer o debate e a reflexão necessária à assunção de uma decisão nesta matéria.” Como se vê, este debate não foi de agora, tem vindo de longe e foi intenso e participado nos últimos anos. Nos últimos dois anos houve debate em diversos quadrantes sociais, como afirmou o nosso PR. Promotores da despenalização percorreram o país promovendo o debate.
Um segundo argumento foi o de que os programas eleitorais não contemplavam esta medida e a ilegitimidade daí decorrente da aprovação desta medida na Assembleia da República. Bom, desde 2009 está nos programas eleitorais do BE que esta matéria deveria ser discutida e aprovada na AR. Outros partidos também promoveram debates internos e externos. Portanto, os deputados estavam esclarecidos para decidir em consciência e assim fizeram-no.
Foi ainda enfatizada uma falsa e intelectualmente desonesta dicotomia entre cuidados paliativos e morte assistida. A atual realidade dos cuidados paliativos demonstra a sua insuficiência para tratar casos limite do ponto de vista médico, estes cuidados não podem fazer tudo. Acresce ainda que na RAM, 73% dos doentes na RAM morrem sem os receber. Portanto, fica evidente a falácia deste argumento.
Argumentou-se ainda com o teor da legislação aplicada noutros países, nomeadamente na Holanda, incutindo-se o medo com recurso a hipotéticos e fantasiosos cenários de “rampas deslizantes”. Neste domínio, convêm esclarecer que a proposta do BE assentava em cinco aspetos fundamentais:
Primeiro, definia e regulava quando a antecipação da morte, a pedido da pessoa, em caso de doença incurável e fatal, lesão definitiva e em sofrimento duradouro e insuportável não era punível. Se estas condições não se verificarem, seria crime.
Segundo, o pedido de antecipação da morte apenas poderia dar origem a um processo clínico se fosse feito por pessoa maior e capaz de entender o alcance do mesmo. Não eram assim atendíveis pedidos de menores ou de doentes mentais.
Terceiro, a verificação da existência de doença incurável e lesão definitiva acompanhadas de sofrimento duradouro e insuportável era atestada por dois médicos que tinham a obrigação de prestar ao doente toda a informação e esclarecimento sobre a sua situação clínica, os tratamentos aplicáveis na área dos cuidados paliativos e assegurar que a decisão do doente era livre e não resultava de qualquer pressão externa
Quarto, era obrigatório o parecer de um psiquiatra sempre que um dos dois médicos tivesse dúvidas sobre a capacidade da pessoa em solicitar a antecipação da morte, sendo tal processo cancelado, se essa dúvida viesse a ser comprovada.
Quinto, a decisão de levar o processo até ao fim era exclusiva do doente e revogável em qualquer momento.
Publicado em JM-Madeira.pt