O direito de viver em paz

As oportunidades perdidas e a vida adiada doem muito. Não tenhamos dúvidas, doem mesmo

Esta tem sido a canção que tem embalado a luta do povo Chileno, e que homenageia um grande artista antifascista, Victor Jara, torturado e assassinado pela ditadura Chilena, de Augusto Pinochet, em 1973. Já se passaram muitos anos, mas este legado de força ficou e hoje o povo canta-o nas ruas, porque quer que o sistema seja mais justo e o deixe viver em paz.

Penso que este sentimento é realmente o que anima as pessoas que, em várias zonas do mundo, hoje lutam por uma vida melhor e mais digna. Muitas fogem das guerras e morrem pelo caminho, e há gente que as prefere ver mortas em vez de salvá-las, como decidiu a maioria, dos/as deputados/as Europeus (com 2 votos de diferença), que votaram contra a ajuda a estas pessoas que apenas queriam ter o direito de viver em paz. É uma vergonha, um escândalo, uma desumanidade, para a qual contribuíram dois deputados portugueses que poderiam ter feito a diferença. Honra aos que votaram pela ajuda, onde se inclui as duas eurodeputadas madeirenses.

O sentido de justiça desta canção é tão grande que se pode aplicar a qualquer situação que estejamos a viver em cada momento da nossa vida. Falo por mim, que me emociono profundamente quando a oiço e lembro que este direito a viver em paz está tão atual que nem me apetece falar nas “coisinhas” caseiras, que acabam por ser tão secundárias – se todas as pessoas conseguissem exercer o seu direito, e respeitar o dos outros, de viver em paz.

Não é fácil, porque os obstáculos são grandes. Não é fácil, porque muitas vezes o próprio povo perde as oportunidades que tem nas mãos. Que o diga o povo Chileno, que em que muitos sectores alinhou na campanha contra o Presidente eleito, Salvador Allende, e acabou por ver implementada uma ditadura militar, que assassinou milhares de pessoas que pensavam de forma diferente e destruiu a liberdade no seu País. Hoje retomam a luta adiada, ao som dos heróis de então.

As oportunidades perdidas e a vida adiada doem muito. Não tenhamos dúvidas, doem mesmo. E custa a toda a gente. É claro que custa ainda mais aos que, como eu, andam aqui há tanto tempo, a remar contra ventos e marés, e acreditam que as coisas podem mudar porque as mentalidades são outras e o direito a viver em paz vai vingar.

Sei que não é politicamente correto dizer que o povo erra. Há quem diga que o povo é o único sábio que existe. É claro que, se isso fosse verdade, as coisas poderiam estar um pouco melhor – ou não, é difícil de dizer – até porque o povo não se escolhe. É o que temos e faz as escolhas que acha serem as melhores. Tem esse direito, assim como eu tenho o direito de achar que o povo não soube fazer as melhores escolhas, quando teve o poder decisão nas suas mãos.

Não me queixo em meu nome, até porque, para mim, só queria ver o direito de viver em paz concretizado em coisas concretas que continuam adiadas. Queria ver situações injustas corrigidas, mas que continuam a se prolongar no tempo. Queria que a habitação para quem necessita existisse. Que o serviço de saúde fosse melhor. Que existisse mais apoio para as Pessoas Séniores e as mesmas fossem tratadas com mais respeito e dignidade. Que os donos disto tudo deixassem de mandar e o serviço público passasse a ser uma realidade, particularmente na resolução dos transportes e de tudo o que diga respeito à mobilidade de quem vive ou visita a nossa região. Que a verdadeira igualdade de género fizesse parte das preocupações de quem governa, com uma grande aposta na prevenção de todas as formas de violência. E poderia estar a falar de muitas mais inquietações que não cabem neste artigo.

Que o direito a viver em paz continue a fazer o caminho da luta por todo o mundo, e que esteja presente nas nossas ações, é o que mais desejo neste dia feriado.

(publicado no Diário de Notícias da Madeira a 1/11/2019)