Ilusões de Natal... e não só!
Caro Leitor, tendo sido desafiado pelo Diretor do JM para nesta edição de Natal partilhar uma experiência alusiva à época e uma sugestão, aproveitarei assim esta singela crónica para expor uma doce e bela ilusão vivenciada por mim na infância com origem no Natal.
Trata-se, como já deve ter calculado, da crença na existência do Pai Natal. Foi uma crença que me foi incutida nos meus primeiros seis anos de vida. Foi alimentada a preceito, com determinados “acontecimentos” que contribuíram decisivamente para sustentar na minha mente a veracidade da existência daquele velhinho de barbas brancas, no seu tradicional fato e gorro vermelho e branco. Tudo começava com um telefonema para o Pai Natal (no qual o real interlocutor era o meu avô ou uma tia-avó, que disfarçando a voz interpretavam fielmente a figura natalícia) onde apresentava ao mesmo a lista dos presentes desejados e ouvia da parte dele perguntas e conselhos sobre o meu comportamento. Seguia-se a noite de natal, onde antes de me deitar fazia questão de garantir que junto à chaminé da cozinha (local onde supostamente o Pai Natal iria durante a noite entrar) estaria uma sandes mista e uma chávena de café com leite para que o mesmo pudesse reconfortar o seu estômago e ganhar assim energia para poder nessa única noite fazer a distribuição dos presentes a todas as crianças do mundo. Deitava-me então, com um misto de curiosidade e receio. Queria durante a noite acordar e ver se conseguia ver o Pai Natal, mas simultaneamente tinha receio e medo dessa confrontação. Ficava assim deitado, atento a todos os estranhos barulhos noturnos que pudessem indiciar a presença do Pai Natal no interior da casa. Inevitavelmente acabava por adormecer e só acordava na manhã seguinte sem ter tido a oportunidade de o ter visto e falar com ele.
Esta minha ilusão foi reforçada com a oferta em 1973, por parte dos meus pais, de uma banda desenhada da autoria de Raymond Briggs, intitulada “O Pai Natal” (que deu origem à animação constante no link seguinte: https://www.youtube.com/watch?v=Jc-FI2zGsAs), na qual de forma magistral são retratadas a véspera e a noite de natal vivenciada pelo próprio Pai Natal. Desde o acordar, passando pelo alimentar das renas, pela preparação do pequeno-almoço, pelo vestir o seu tradicional fato, por preparar o trenó com os presentes, pela viagem noturna pelos diversos cantos do mundo enfrentando diversas situações climáticas e tipos de residências, culminando no regresso matinal a casa e no justo e inteiramente merecido descanso acompanhado de uma saborosa refeição natalícia. O teor desta banda desenhada (que ainda hoje guardo religiosamente) consolidou na minha mente a ilusão e a crença naquela figura universalmente querida e conhecida. Naturalmente, quando mais tarde sou confrontado com a cruel e terrível verdade, traduzida na não existência do mesmo, a sensação de desilusão, perda e tristeza foi enorme.
Sensação similar à que sinto hoje ao também verificar e constatar que determinadas expetativas e ilusões criadas no sistema e regime democrático que nos regem são de forma crescente defraudadas. Sendo esta época do ano uma altura propícia para a reflexão, sugiro a seguinte leitura: “Contra a Democracia” de Jason Brennan da Editora Gradiva, no qual é feita uma muito interessante reflexão sobre a dissonância existente entre as suas boas e justas intenções em oposição aos seus resultados. Será a Democracia, também ela, uma doce e bela ilusão como a do Pai Natal? Termino assim esta minha crónica com esta dúvida e sugestão de leitura, pedindo desde já desculpa ao leitor por ter resvalado, ainda que ao de leve, para a temática política. Um Feliz Natal para todos!
(Publicado originalmente em JM-Madeira)