Défice…

No último debate quinzenal realizado na semana passada na Assembleia da República, foi notícia e motivo de polémica e de diversas reações a afirmação proferida pelo Primeiro-Ministro António Costa, de que o défice orçamental da Região Autónoma da Madeira em 2017 tinha sido uma surpresa e ainda que o mesmo teria agravado o défice das contas do País numa décima percentual.

No mesmo debate Carlos César, líder parlamentar do PS, referiu que o défice da Madeira era superior em seis a sete vezes ao dos Açores.
Como forma de comentar o teor destas afirmações, importa antes de mais de esclarecer o significado de alguns conceitos. O saldo global orçamental é resultado da diferença entre a receita efetiva e a despesa efetiva ocorridos num dado período. Este saldo pode ser negativo (défice), quando a receita é inferior à despesa ou positivo (superavit/excedente), quando a receita supera a despesa. Em 2017, segundo dados publicados no Boletim de Execução Orçamental relativos ao período janeiro a dezembro, verificamos que a receita foi de 1264 milhões de euros e a despesa correspondeu a 1421 milhões de euros. Daqui resulta um défice de 157 milhões de euros. Nos Açores, o défice atingiu o valor de 24 milhões de euros. Portanto, efetivamente verifica-se que o nosso é cerca de 6,5 vezes superior aos dos nossos compatriotas açorianos. Os governantes regionais reagiram a estas afirmações, acusando a República de nos estar a dever 120 milhões de euros, valor esse que se nos tivesse sido pago reduziria o défice para 37 milhões de euros.

Feitas estas considerações, tenciono agora acrescentar a esta controvérsia mais alguns elementos para reflexão: a execução orçamental, como o próprio nome indica, consiste na concretização das verbas previstas inicialmente no orçamento. Neste, uma das regras para a sua elaboração, é a obrigatoriedade de a receita prevista ter de ser coincidente com a despesa prevista. Ou seja, não se pode inscrever despesa que não esteja coberta pela receita. Neste pressuposto, verificamos que o Orçamento para 2017 previa uma receita/despesa no valor de 1665 milhões de euros. Como já vimos, a receita e a despesa efetivamente arrecadadas corresponderam a 76% e a 85% respetivamente dos valores inicialmente previstos.
Centrando-me agora na execução orçamental da receita, verificamos que existe um desfasamento na ordem dos 400 milhões de euros. Como se explica este desfasamento? As rubricas que contribuíram principalmente para esta situação são as seguintes: IRC, temos uma cobrança inferior em 70 milhões no IRC. Esta quebra foi explicada pelo Governo Regional em julho de 2017, como sendo resultante da fuga de três empresas da Zona Franca da Madeira. No entanto, muito recentemente, o Vice-Presidente referiu que em 2017 houve um aumento de 23% no número de empresas sediadas na ZF. Pelos vistos, ao contrário do que muito se apregoa, este acréscimo teve impacto nulo no aumento da receita fiscal (IRC). Outra rubrica não cumprida foi a relativa às alienações de partes sociais das empresas, na qual estava prevista uma receita de 18,4 milhões de euros. Pois bem, na discussão do ORAM2018, o Governo regional confirmou que a única alienação efetuada tinha sido a quota na EJM pelo valor de 10 mil euros. Finalmente temos a não contração de um empréstimo de 250 milhões de euros previstos nas receitas de capital. Esta ilação retira-se pelo facto de as mesmas terem um valor previsto de 418 milhões e só se ter executado 138.

Perante esta realidade factual e numérica, é legítimo questionar se aquando da elaboração do orçamento, terá ou não havido um empolamento de receitas? E qual o problema do mesmo? A resposta encontramos na execução da despesa, que como já vimos foi superior à receita em 157 milhões de euros. Este défice, na prática é despesa assumida mas não paga, uma vez que não houve receita arrecadada para esse efeito, mas mesmo assim pôde ser assumida porque havia “receita prevista” no orçamento. A consequência desta situação é a necessidade de recurso a mais endividamento para fazer face a estes encargos assumidos, mas que não foram pagos, no valor de 157 milhões de euros.

Termino assim perguntando: quem é afinal que tem de pedir desculpa a quem?

 

Publicado em JM-madeira.pt