Beijos e abraços

Na visita do Senhor Presidente da República à Madeira foram só beijos e abraços. Bastou ler as reportagens, ver as imagens, ou ouvir as notícias, que os beijos e os abraços eram as mensagens preferidas do Presidente. Deu autógrafos, tirou selfies, apertou pescoços a estrangeiros que votaram a favor do Brexit, elogiou outros por cá virem passar férias, lavou a cara com a água do mar do Porto Santo, elogiando a temperatura do mar dizendo ser a ideal para banhos, provou as cerejas do Jardim da Serra, recusou a fruta espanhola e até veio abanar a bandeira de Portugal, só quando a passagem (sofredora) às meias-finais, tinha sido conseguida.
Também gostou do vinho, dos bolos e sobretudo da “lambeca” do Porto Santo. Chegou a plantar uma árvore, na Quinta Vigia, está claro, com padrinhos. Se a pobre da árvore depender deles para crescer, vai morrer à sede, de certeza, porque este tipo de padrinhos não tem pachorra para cuidar de rosas, muito menos para regar e cuidar de árvores.
O povo aplaudia entusiasmado e até o pobre, que pedia esmola na rua, foi contemplado com uma “esmolinha”, o que fica sempre bem para a fotografia. Gostei particularmente da descrição do tempo que o Presidente demorou a atravessar uma rua, por ter parado a falar com as pessoas e a ouvir, inclusive, os seus desabafos e reclamações.
Lembrei-me logo das campanhas eleitorais. Centenas de vezes, políticos desta terra, muitas das vezes apoiados por pessoas do Continente, percorreram essas ruas, gastaram muitas horas, deram muitos beijos e abraços, ouviram o povo, e levaram muitos dos seus problemas às autarquias, aos Parlamentos, Regional e Nacional. Qual foi a cobertura jornalística que tiveram? “É sempre a mesma coisa, vão sempre para os mesmos lugares, é uma campanha morna, sem interesse, etc….” Enfim, os beijos e os abraços a Marcelo, ou de Marcelo, são “5 estrelas”, os outros são a “ralé” cá da casa, não têm importância nenhuma.
Não ouvi perguntarem ao Presidente quais são as suas ideias para o País? Ideias sobre as dificuldades da Região? Como vai usar a sua magistratura para influenciar algumas decisões? O que pensa sobre a pobreza? Sobre o que se passa na Europa? Etc., etc… Silêncio ensurdecedor! Mas isso o que interessa? Nada! Nem sequer acrescenta nada ao que disseram os/as Parlamentares na sessão da Autonomia. Sessão essa que, embora retomada nesta sessão legislativa, continua a não passar de uma pró-forma para este tipo de governantes, que não ligam nada ao que é dito, e redito, pelas oposições. A sensação é que tudo continua a cair, num grande saco roto, e isto é confrangedor, sobretudo para quem está na política a sério.
Para a maioria dos órgãos de comunicação social, ter ideias é quase um pecado. É preciso é ter “afectos”. Ser simpático. Representar o seu papel muito bem. Estar bem-disposto, e nunca dizer não a um pedido, nem que seja para dar um furo no Protocolo. Só faltou dizerem que “Marcelo é fixe, o povo que se lixe”. Mas esta frase já tinha sido demasiado repetida com outro Presidente e há que inventar outras. Pois…
Recordo-me das visitas, quando era menina, de Marcelo Caetano à Madeira, em que nos obrigavam, sem sabermos o que estávamos a fazer, a abanar bandeirinhas de Portugal. Desta vez, este Presidente Marcelo, só “abanou” a bandeira grande, e pelo futebol, e não obrigou ninguém a fazer o mesmo. Espero que pelo menos continue a ser assim, e que nunca nenhuma criança de Portugal seja obrigada a fazer algo que não entenda. A ver vamos…