Por uma escola pública inclusiva

A construção de uma escola democrática, verdadeiramente inclusiva, exige a todos ver a escola como o centro do processo de construção da cidadania.

A defesa da Escola Pública de qualidade e potenciadora das capacidades de todos os cidadãos, apresenta-se como o principal instrumento de combate à exclusão social e ao conservadorismo cultural. Este caminho passa obrigatoriamente por propostas alternativas com impacto concreto na melhoria do sistema educativo regional, forçando a mudança para políticas educativas potenciadoras de um aprofundamento da inclusão social.

Os contributos de cada um passam por encontrar formas que combatam as desigualdades sociais e eliminem os constrangimentos colocados ao acesso e ao sucesso da formação dos cidadãos, que se pretendem autónomos e interventivos.

É importante o currículo, mas só faz sentido se forem assegurados os recursos (humanos e materiais) para a sua plena implementação.

A realidade diz-nos que é urgente “Pensar e Criar” as necessárias condições económicas e sociais das famílias, as quais permitem concretizar a escola inclusiva, desde logo em igualdade de condições no acesso às aprendizagens de qualidade para todos e que reflicta o justo sucesso escolar por parte de todos os alunos/formandos.

A escola que deveria ser o espaço privilegiado de correção das assimetrias culturais e sociais, o garante da equidade, apresenta-se como um factor que perpetua as desigualdades, pois a ascensão social fomentada pela educação está minada por um carácter mercantilista.

Desta forma, torna-se prioritário para qualquer governo de esquerda progressista investir na escola pública em todos os níveis de ensino, desde as creches ao ensino superior. Torna-se necessário acabar com a mercantilização da educação, construir uma alternativa à lógica que hoje governa o sector educativo e as escolas como se de um mercado / empresa se tratassem.

Neste aspecto central, corremos o risco de apenas reproduzirmos e até potenciarmos a exclusão social. Parafraseando António Arnaut, “Se a escola pública não for sustentável, então a Democracia não é sustentável”.

 

Vejamos alguns dos inúmeros entraves sócio - económicos colocados à escola inclusiva impedindo o cumprimento da sua função, e que importa reflectir conjuntamente para encontrar soluções.

Para uma escola inclusiva importa debater as condições necessárias para a aprendizagem de qualidade por todos, de acesso livre e gratuita para todos níveis de ensino, assegurando desde logo a gratuitidade dos manuais e materiais pedagógicos, transporte e alimentação para todos os alunos.

Sabemos que só tem disponibilidade para aprender quem tiver um ambiente familiar saudável, sem violência física e/ou psicológica, com condições alimentares e habitacionais.

Por outro lado, é consensual que os alunos com melhores condições socioeconómicas obtêm melhores resultados escolares. Os alunos dos estratos sociais desfavorecidos são “forçados” ao insucesso, consequentemente, são preteridos por uma “falsa meritocracia”, baseada em resultados académicos.

Desta forma, na escola inclusiva, centrada no aluno e no seu sucesso educativo, a componente letiva deverá ser complementada, obrigatoriamente, com os necessários apoios educativos para todos e de acordo com as exigências que o sistema educativo coloca aos alunos e atribuídos de acordo com as problemáticas diagnosticadas aos alunos e família (insucesso / assiduidade / indisciplina / maus tratos). São pois um importante instrumento que permite reduzir as assimetrias familiares que potenciam o insucesso escolar.

Os instrumentos até agora disponibilizados pelas escolas são de carácter eminentemente cognitivo, pouco úteis na resolução das problemáticas decorrentes das más condições socioeconómicas e do quadro cultural das famílias.

A estas assimetrias sociais não é alheia a elevada taxa de abandono precoce em todas as modalidades de educação e formação na RAM. A taxa de abandono precoce da RAM em 2016/2017, situava-se em cerca de 17% no secundário, 13% no 3º ciclo e de 8% no 2º ciclo. Sendo um valor elevado, exige-se ao governo regional a concertação de esforços na implementação de intervenções que incidam na prevenção do abandono escolar precoce e contribuam para a redução desta taxa para 10% em 2020, não mais que o cumprimento do objetivo por si traçado. Ou seja, o abandono sem concluir a escolaridade obrigatória regista valores inaceitáveis numa sociedade democrática.

As elevadas taxas de retenção RAM que no ano letivo de 2016/2017 se situaram em cerca de 18% no secundário, 10% no 3º ciclo, 6% no 2º ciclo e de 5% no 1º ciclo, são igualmente um efeito perverso das assimetrias sociais.

Julgo ser determinante para o desbloqueio das problemáticas diagnosticadas nas famílias e permitir uma verdadeira igualdade na oportunidade de aprendizagem por parte de todos os alunos, que as escolas, inclusivas e democráticas, possuam um assistente social, responsável pelo efectivo acompanhamento destes alunos e respectiva família. Ademais, é reconhecidamente insuficiente o número destes profissionais em funções nos diferentes serviços sociais da administração regional e local.

Relativamente à avaliação externa (exames e provas nacionais) encerra em si outro factor potenciador de exclusão social. Os Exames Nacionais condicionam a conclusão do ensino básico e secundário e, cumulativamente, o acesso ao ensino superior, são em si mesmo um estímulo ao abandono precoce, e ao mesmo tempo evidenciam e potenciam as desigualdades sociais, contrariando a função social da escola.

Por outro lado, se a escolaridade obrigatória privilegia a modalidade da avaliação formativa, não alcanço o fundamento para atribuir na avaliação dos alunos tamanha ponderação a estes exames, sendo estes de carácter sumativo e seletivo.

Não vislumbro a utilidade das Provas de Aferição. A aferição das aprendizagens é inerente ao exercício das funções dos docentes, logo estas provas são redundantes na sua natureza.

Os enormes custos associados aos Exames na formalização de uma avaliação perniciosa, redutora e sem substância, devem ser aplicados nos necessários apoios pedagógicos e económicos aos alunos e suas famílias.

Aparentemente, os Cursos de Educação e Formação de Adultos apresentam-se como um instrumento da escola inclusiva. De frequência pós-laboral é dirigido a um público com características sócio - culturais peculiares, com um percurso escolar marcado pelo abandono precoce, geralmente motivado pelas dificuldades económicas e/ou desencontro entre a sua realidade cultural e a escola, vêem-se mais uma vez forçados a não usufruírem das ofertas formativas.

Estas pessoas estão limitadas pela (in)existência de transportes públicos, principalmente nos concelhos rurais, que permitam o acesso à escola (as aulas iniciam-se por volta das 19:00 e terminam por volta das 23:30). Caso não possuam um meio de transporte próprio, ou ainda capacidade económica para utilizar os transportes públicos (a existirem), os que residem em zonas mais distantes da escola ficam desde logo afastados de frequentar esta oferta formativa.

O diagnóstico está feito, e ainda que necessite de aprofundamento, desde já, a escola sabe quem e quantos são os formandos da sua área, estão identificados pelos serviços regionais da segurança social e instituto do emprego, pois muitos são encaminhados para estes cursos por estas entidades, no entanto não acautelam a mobilidade do formando.

Este grupo de alunos/formandos precisam de particular atenção por parte das entidades competentes que deverão disponibilizar serviços de transportes públicos compatíveis e adequados às necessidades destas pessoas maioritariamente trabalhadores. Deverá ser estudada a possibilidade de envolver as diversas entidades com responsabilidade e competência na matéria (Secretaria da Educação, Secretaria da Inclusão, Câmaras Municipais, a Segurança Social, o instituto do emprego) que de forma articulada respondam a esta limitação.

É imperativo intervir politicamente nos aspectos sócio – económicos das famílias, os quais condicionam a educação/formação de todos os indivíduos, sem exceção.

Estes e outros problemas da nossa escola exigem uma acção conjunta, diferenciada das respostas apresentadas, pela tutela da educação pois a natureza das problemáticas diverge do diagnóstico por si efectuado.

Este contributo será uma realidade, cuja importância e amplitude transformadora dependerá da colaboração de todos na discussão e encontro de respostas aos desafios que nos são apresentados.

 

 

 

(o exercício não obedece ao acordo ortográfico de 1991)