Valorizar quem trabalha
Esta linha orientadora da atuação do Bloco de Esquerda na Madeira (BE/M) decorre da perceção que este crescente flagelo encerra em si mesmo um manancial de consequências nefastas para a economia e, em particular, para a dignidade do trabalhador, comprometendo as condições de vida das famílias e em última análise compromete a construção de uma sociedade mais justa. Os baixos salários praticados e a evidência de que o salário real caiu cerca de 8% entre 2010/2017, legitima a urgente valorização do salário para que o crescimento económico se faça sentir efetivamente na vida dos trabalhadores. Observamos o inequívoco apoio do Governo Regional, e dos patrões, na manutenção dos baixos salários na generalidade das profissões (em particular na hotelaria, sector dominante em termos de volume de emprego na RAM), na desvinculação da contratação coletiva, na redução do valor do trabalho extraordinário e na redução das folgas.Estes são alguns exemplos de que o ataque ao trabalho está dominado por ideias neoliberais, de natureza economicista, cujo resultado das transformações, leia-se desregulamentação, das relações laborais propostas resultam na desumanização e desvalorização do trabalho, tornando-o cada vez mais precário, diminuindo o rendimento e empobrecendo os trabalhadores, ao mesmo tempo que desvincula as empresas da sua natural responsabilidade social.
É notória a fragilidade do argumento de que as políticas implementadas no domínio do trabalho, consubstanciadas em programas de apoio à formação e criação de emprego, diminuíram o desemprego e por conseguinte melhoraram as condições de vida das pessoas. Senão vejamos algumas das consequências nefastas que decorrem da sua aplicação. O Programa de Ocupação Temporária de trabalhadores (POT), sobretudo usado pelas autarquias e pelas escolas públicas, apresentam-se como mais uma forma de manter os baixos salários e aumentar a precariedade laboral, doença que afeta os jovens e menos jovens, restando ao trabalhador/formando o sorriso expressivo do “e agora !…”.
A formação inicial destes trabalhadores é inexistente para o exercício de funções muito específicas, e considerando que muitos vão trabalhar nas escolas com crianças qual o perfil destes funcionários operacionais?
Findo os 9 meses, já formados, não são contratados, sendo substituídos por outros tantos, recomeçam os constrangimentos para a entidade “empregadora” e para os “novos formandos”, fomentando a e onde não deveria existir. Não pode valer tudo! Devemos questionar as razões que permitem manter esta precariedade laboral no sector público, quando as restrições à contratação diminuíram e é apregoado um cenário de crescimento económico.
Porque razão manter esta precariedade laboral no sector privado, estimulado pelos Programas de estágios em contexto de trabalho subsidiados por todos nós, onde se sucedem os formandos que ocupam postos de trabalho efetivos? Se por um lado contribuem para a diminuição dos custos de produção aliviando os encargos das empresas, por outro servem para a manutenção ou redução de salários, precarizando e desvalorizando o trabalho.
O “mais vale pouco que nada” não pode ser argumento válido numa sociedade moderna. Este lamento resignado de muitos trabalhadores não pode ser a justificação de alguns que nos procuram convencer na inevitabilidade desta forma de exploração. Não podemos permitir que se perpetuem as “vidas adiadas” durante anos a fio.
Os Programas de valorização do comércio permitem abertura de novos espaços e a modernização dos existentes, mas não criam clientes que apenas compram por necessidade e se tiverem poder de compra que lhe advém do rendimento do trabalho por si prestado. Desta forma, a valorização do trabalho é um investimento na economia real, uma vez que aumenta o rendimento, estimula a procura e o aumento da produção, e consequentemente a criação de empregos.
O trabalho e a sua retribuição deverá ser, obrigatoriamente, capaz de permitir o seu sustento autónomo. Enquanto tal não é, ainda, possível, exigem-se medidas de políticas sociais e laborais que favorecem a sua concretização. Certamente um excelente investimento que beneficia a economia e as condições de vida da população e um necessário passo para a dignificação dos trabalhadores.
Parece-nos pertinente aumentar o salário mínimo, que é claramente insuficiente para responder às necessidades básicas das famílias. O atual diferencial positivo entre do salário mínimo nacional e o regional é facilmente anulado com o superior custo de vida na região.
Não. O BE/M não fica indiferente à realidade de uma família que trabalha duramente e o seu rendimento mostra-se insuficiente, incapaz de suportar materialmente a sua existência, ao nível mais básico da alimentação, habitação, saúde e educação, comprometendo a sua capacidade de intervenção social e usufruto das mais elementares condições de vida digna.
Esta medida custa quanto? Com certeza menos que as nefastas consequências sociais decorrentes dos baixos salários. Porventura menos se considerarmos os apoios às IPSS e programas de emprego e cujos resultados urge clarificar.
Deverão ser dinamizadas iniciativas junto das entidades que gerem este assunto de forma a permitir conhecer em profundidade estas questões e daí retirar conclusões que clarifiquem esta problemática.
Questionar a eficácia dos programas de formação em contexto de trabalho, criados pelo governo e segurança social, é clarificar a sua relação com a precariedade e valorização do trabalho, o seu papel na redução das taxas de desemprego, mas também aferir em que medida se apresentam como instrumentos na operacionalização da redução de salários e direitos do trabalho e forma dissimulada de exploração dos trabalhadores.
O BE/M tem a oportunidade de desempenhar um importante papel na defesa intransigente do trabalho com direitos e salários dignos para homens e mulheres que, diariamente, contribuem decisivamente para o crescimento económico e social da RAM.
Não é sustentável o desenvolvimento assente na construção de obras que cria empregos de breve duração e que nos conduzem à dívida e à bancarrota. As medidas políticas deverão centrar-se em políticas sociais e económicas que produzam maior qualidade de vida para a população, desde logo na valorização e qualificação do emprego, fonte de rendimento da grande maioria das famílias. O trabalho é a fonte motriz do desenvolvimento e progresso económico e social e merece no mínimo a mesma importância dada aos meios de produção, até porque são indissociáveis.