Liberdades...
No passado mês de abril, celebrou-se mais um aniversário da revolução dos cravos. Neste ano, esta comemoração teve para mim um simbolismo muito especial. Tive a oportunidade de conhecer pessoalmente alguns dos militares que pertenceram à coluna militar comandada por Salgueiro Maia naquela inesquecível madrugada libertadora. No seio desta comitiva, veio também o Cabo José Alves Costa, que protagonizou o célebre episódio de recusa de aceder à ordem do Brigadeiro Junqueira dos Reis de fazer fogo, contra os camaradas militares das forças revoltosas, sob a ameaça de uma pistola apontada à cabeça. Este gesto, significou na prática a vitória da revolução naquele dia; significou a rendição e baixar das armas das forças afetas ao regime; significou o triunfo de uma revolução sem a ocorrência de um banho de sangue. Este Homem, durante 39 anos esteve incógnito e manteve-se afastado de todo o mediatismo gerado à volta da revolução dos cravos. Na sequência da elaboração do livro “Os rapazes dos tanques” de Alfredo Cunha e Adelino Gomes, foi “descoberto” e trazido à “luz do dia”. Tive o privilégio de o conhecer pessoalmente e contactar olhos nos olhos com ele e agradecer-lhe profusa e emotivamente o seu gesto heróico, generoso e humanista. A sua simplicidade e humildade impressionaram-me profundamente. Confesso que na sua presença, poucas palavras consegui exprimir, pois a comoção do momento falou mais alto. Todos estes homens devolveram-nos a Liberdade.
Pois bem, é precisamente sob duas das formas de manifestação dessa mesma liberdade que me proponho refletir um pouco. São elas, a liberdade de voto e a liberdade de expressão.
Comecemos pela liberdade de voto: a 2ª volta das presidenciais em França suscitou por parte de diversas pessoas afetas ideologicamente aos ideais de esquerda, duas reações.
Um primeiro grupo, de forma pragmática afirmou que se devia votar Macron para derrotar Le Pen. Ou seja, o seu voto em Macron não era uma validação das ideias e propostas por ele defendidas, mas sim um instrumento para impedir que Le Pen ganhasse. Um segundo grupo, de forma mais idealista, advogava que não se devia votar em nenhum, pois entre o liberalismo selvagem e a xenofobia não havia escolha possível, ambos deviam ser rejeitados. Ora bem, não pretendo colocar em causa a legitimidade destas duas posições. Contudo, não resisto a trazer para esta questão algo que já defendo há muito tempo: a validação do voto em branco. Neste caso em particular, e sobretudo para as pessoas integrantes do segundo grupo, questiono se as mesmas não desejariam poder ter tido a opção de votar rejeitando validamente os dois candidatos? Essa opção não deveria ser permitida? É democrático obrigar alguém a ter de escolher quem rejeita? Todos aqueles que na 2ª volta se dignaram ir às urnas e votaram em branco porque legitimamente rejeitavam ambos os candidatos, viram essa sua opção não ser refletida nas percentagens eleitorais dos candidatos. Pergunto: é justa esta situação do ponto de vista democrático? A liberdade de voto não deveria pressupor a possibilidade de escolha bem como de rejeição?
Centremo-nos agora na liberdade de expressão: decorrente da liberdade de voto, são eleitos os deputados para a Assembleia da República e para as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas da Madeira e Açores. É suposto os deputados terem o dever bem como o direito de livremente se expressarem sob todos os assuntos que estejam a ser alvo de discussão e debate. Nas suas intervenções devem livremente poder manifestar a sua concordância ou discordância com as matérias em debate, argumentando e justificando as suas posições. Em nenhuma circunstância esta liberdade de expressão deve ser limitada ou restringida. O facto de alguns deputados serem detentores de outros cargos políticos institucionais, jamais pode ser usado como razão ou argumento que condicione a sua capacidade de intervenção e o teor das suas afirmações. Dar cobertura a este tipo de condicionamentos falaciosos, é estar a ser conivente com posturas eivadas de tiques fascizantes, que julgávamos terem sido banidas com o 25 de Abril de 1974. Mas, pelos vistos, apesar de encobertos por uma “capa democrática”, a essência ditatorial e fascista permanece bem enraizada!
Artigo publicado na edição impressa e digital do Jornal da Madeira