Sem trabalho digno as sociedades são fracas

Há coisas realmente estranhas neste mundo, que está cada vez mais global

Participei, como sempre, no 1º de Maio dos sindicatos e senti, como sempre, as dificuldades sindicais em mobilizar quem trabalha para participar nestas iniciativas. Quem participou, conscientemente, conhece o grande significado do dia e o que representa, para quem é, ou alguma vez foi, trabalhador/a. Louvo a juventude presente a tomar consciência do seu papel no futuro. E muito bem.

Muita gente que se diz intelectualmente preparada, e até com postura revolucionária, sobretudo nas redes sociais, ou em cargos públicos, continua a considerar que o 1º de Maio não lhes diz respeito, por considerarem ser uma questão meramente sindical. Não aparecem, não participam e ainda exibem um sorriso, para comentar que a manifestação foi fraca.

Claro que eu gostaria, e de certeza que a USAM também, que a manifestação fosse maior, que estivesse mais gente e que as palavras de ordem fossem mais abrangentes e mais profusamente gritadas. Gostaríamos que à mesma hora não estivesse convocado um concerto, pago com os nossos impostos, na Praça do Mar. Como disse um dirigente sindical, a música que animou o recinto do comício sindical foi com a “prata da casa” e paga com as quotas sindicais de quem é sindicalizado/a.

Claro que eu gostaria de ter visto mais gente a participar, que em vez disso ficou pelos passeios a ver-nos passar, como se fossemos um cortejo qualquer. Claro que eu gostaria que algumas pessoas, que não se cansam de estar em tudo o que é evento, tirassem um bocadinho para estar com quem sente os problemas do mundo do trabalho, que são muitos, como muito bem explicou o dirigente da USAM. É que aprendi, há muito tempo, que é o trabalho que move as sociedades, e quando ele falta, ou é mal pago, ou humilhado, alguma coisa está a acontecer e a sociedade está a ficar muito doente.

E como não podia deixar de ser, mais uma vez, a comunicação social, particularmente a RTP/Madeira, não só secundarizou as realizações sindicais preocupando-se o jornalista a contar o número de deputados presentes, como deu a primazia a uma procissão e à “benzedura” do governo regional ao trabalhador avergado, pelo peso do trabalho, na altura em que não existiam direitos.

Há coisas realmente estranhas neste mundo, que está cada vez mais global. Sei que cada um tem os seus anseios e as suas aspirações. Sei que cada pessoa tem os seus interesses mais específicos. Umas gostam de exercer o poder, outras de fazer teatro, outras de ir ao cinema, outras de participar em festas, outras de passear com a família, etc, etc... Mas se houvesse consciência cívica e cidadã do que representa participar numa realização na defesa dos direitos de quem trabalha, que afinal são todos, o nosso tinha sido um grande primeiro de Maio.

Na minha condição actual de reformada, interesso-me pelas questões da igualdade de género, e por isso participei numa faixa com a frase: MORREU MAIS UMA DE NÓS. ABAIXO A VIOLÊNCIA! Na manifestação gritámos “abaixo a violência contra as mulheres, a luta continua!” Provámos que no 1º de Maio, cabemos todas e todos sem exclusão. Só não participou quem tem vergonha de se juntar aos resistentes, contra o medo que alastra nas empresas e a precariedade que alastra por todo o lado, seja no sector público ou privado. Espero que para o ano sejamos mais.

 

Artigo de opinião publicado na edição impressa e digital do Diário de Notícias da Madeira