Idiossincrasias...

Nos últimos tempos, alguns acontecimentos ocorridos suscitam-me umas breves reflexões e comentários sobre a idiossincrasia da natureza humana, a qual sob o ponto de vista sociológico evidencia claramente a sua essência contraditória e incoerente em determinadas situações.

Vejamos com dois exemplos concretos: Uma carta do leitor publicada no outro órgão diário de imprensa da Região, da autoria de um cidadão continental após ter visitado em férias a Madeira, na qual são feitas muitas críticas à realidade socioeconómica e política regional, suscitou uma onda geral de indignação, nos comentários on-line à mesma, bem como nas redes sociais, levando a que muitos madeirenses fazendo uso da sua legítima liberdade de expressão tecessem as mais duras e violentas considerações sobre o autor da missiva. Muitas dessas críticas ignoraram o teor da carta, centrando-se só no facto de o autor ser continental e por essa razão não teria a legitimidade nem autoridade moral para se pronunciar sobre uma região onde não é residente. Nesta onda generalizada de repúdio e indignação relevou-se o facto de a referida carta ser um reflexo da mentalidade e visão centralistas que os continentais (ainda) têm sobre as outrora designadas Ilhas Adjacentes. Perante este exemplo, não houve quem dissesse que uma conclusão que se poderia retirar é a de que o Povo Madeirense quando vê a sua Região de origem ser discriminada, atacada e rebaixada, é o primeiro a se levantar e se insurgir contra essa situação. Vejamos agora um outro exemplo: no início deste mês, mais precisamente no dia 3 de março, foram colocados à venda os bilhetes de ingresso para o jogo amigável entre as seleções nacionais de futebol de Portugal e Suécia. Os preços foram respetivamente de 20 e 25 euros. A totalidade dos bilhetes colocados à disposição foi vendida logo nesse primeiro dia, tendo-se gerado uma enorme fila e uma grande afluência de pessoas, que começou inclusive no fim da tarde do dia anterior. Existiram assim pessoas que pernoitaram nas imediações do Estádio para poderem adquirir os bilhetes. O que é de inusitado nesta situação é que antes deste dia foi tornado público que no continente, quando a seleção nacional joga, os bilhetes são colocados à disposição das pessoas a preços mais acessíveis, podendo ser adquiridos nas diversas lojas de uma cadeia nacional de hipermercados (que também existe na Madeira), sendo que se os adquirentes dos bilhetes forem titulares do cartão de cliente da mesma, acumulam 50% do valor do bilhete no dito cartão. No jogo amigável que Portugal fez com a Bulgária em Leiria em março do ano passado, os bilhetes mais baratos foram a 10 euros com 50% em cartão, logo na prática custaram 5 euros. Pergunto: esta diferença no preçário de acesso a um jogo amigável, não configura ela própria uma discriminação negativa para com os madeirenses? Ambos os jogos foram amigáveis. No entanto, no jogo de Leiria o preço mais elevado, considerando o desconto acumulado no cartão, ainda foi inferior ao preço mais barato praticado aqui na Madeira. A justificação da Federação Portuguesa de Futebol para esta situação prende-se com o cariz solidário deste jogo. Pergunta-se então: o porquê de não estenderem este mesmo cariz aos jogos amigáveis realizados em território continental? Perante esta notória diferenciação de tratamento, qual foi a reação dos Madeirenses? Afluíram em massa às bilheteiras e esgotaram no primeiro dia os bilhetes colocados à venda. Questiono agora: onde ficou o espírito madeirense guerreiro e combativo face às arbitrariedades perpetradas contra nós por entidades e instituições sedeadas no continente? Neste caso em particular, parece que ficou bem adormecido junto às bilheteiras do Estádio dos Barreiros. Termino, parafraseando um conhecido cronista da nossa praça: há idiossincrasias fantásticas, não há???...

Artigo publicado originalmente na edição impressa do JM Madeira de 20 de Março de 2017