Mário Soares, TSU e uma nota…
Não poderia iniciar este meu artigo sem naturalmente fazer referência a Mário Soares. Começo com duas citações: “Muitas vezes fui vencido em discussões dentro do meu próprio partido. Nunca dei uma excessiva importância aos debates ideológicos e sempre condicionei muito mais a minha ação pelas relações políticas e táticas no terreno, por forma a, pragmaticamente, levar a água ao meu moinho…” – Entrevista a Mário Mesquita, Diário de Notícias de 24 de abril de 1984; “A utopia que tanta falta nos faz nos dias sombrios de hoje, é porventura ainda a forma mais eficaz e realista de fazer política. A única que que vale a pena fazer. Porque é a única que marcará o futuro” – No prefácio do livro A Incerteza dos Tempos, 2003. Estas duas citações evidenciam a sua dupla natureza, idealista e pragmática, cuja simbiose resultou numa personalidade que, quer goste-se ou não, fica indelevelmente ligada à nossa História Política Contemporânea e demonstra como muitas vezes e por mais paradoxal que pareça, o pragmatismo é o instrumento e alicerce do idealismo. Inesquecível é para mim a sua eleição para a Presidência da República em fevereiro de 1986, cuja campanha eleitoral acompanhei avidamente, na qual se defrontaram quatro grandes vultos da Política, como o eram Maria de Lourdes Pintassilgo e Salgado Zenha e ainda o é Freitas do Amaral. Não tendo sido esta campanha o meu “despertar” para o fenómeno da política, constituiu, contudo, sem sombra de qualquer dúvida, o “catalisador” para toda a minha ação futura nesta área. Por isto e muito mais, muito obrigado Dr. Mário Soares!
Continuo abordando agora a polémica política dos últimos dias, derivada da descida da TSU patronal como contrapartida ao aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN). Por um lado importa referir a quão injusta e errada é esta medida, senão vejamos: o aumento do SMN, depois de o mesmo ter estado congelado durante três anos (entre 2012 e 2014) e simultaneamente neste período terem existido medidas como cortes nos pagamentos das horas extraordinárias, no valor das compensações por caducidade, aumento dos despedimentos, fim dos descansos compensatórios e redução das férias, constitui desde logo uma medida que repõe um pouco de justiça numa situação que claramente beneficiou o patronato em detrimento dos trabalhadores. Portanto, daqui decorre que a exigência desta medida por parte das empresas, com o argumento de haver um equilíbrio no sacrifício resultante para elas, é no mínimo falacioso, para não dizer abjeto. Acresce que esta redução se traduz numa desnecessária e inadequada subcapitalização da Segurança Social (SS), não proporcionando as condições para o reforço da sua sustentabilidade. Acresce ainda referir, que considerando a inflação e a produtividade verificadas nos últimos anos, o valor justo do SMN agora seria de 900 euros. Outro aspeto pernicioso inerente a esta proposta é o facto de a mesma aplicar-se unicamente aos salários mínimos. Assim sendo, qual é o incentivo às empresas para que aumentem salários, sabendo que esse aumento implicará uma maior percentagem nas suas contribuições para a SS? Por último, referir a incoerência política do PSD nesta matéria. Embora saudemos o anúncio do seu voto contrário a esta medida, não deixa de ser notório que esta postura do PSD só revela que nunca são os interesses dos trabalhadores que norteiam as suas ações. Se assim fosse, os argumentos aduzidos agora pelo PSD, teriam evitado que o mesmo PSD tivesse querido num passado recente implementar a mesma medida que agora diz querer “combater”.
Termino com uma nota: foi notícia na TVI (ignoro se nos restantes órgãos de Comunicação Social também) a polémica "gerada" pelas palavras do ministro Augusto Santos Silva relativas à concertação social, nas quais catalogou de "feira do gado" a negociação subjacente àquela entidade. Várias foram as reações de vários quadrantes condenando as referidas palavras. Não pretendo ser mais uma voz de condenação, mas sim chamar a atenção para um "pormenor" que passou ao lado nesta polémica. As palavras que deram azo a tanta indignação foram proferidas no âmbito de uma conversa privada que foi filmada e gravada sem o consentimento dos respetivos interlocutores. Pergunto: onde anda a deontologia jornalística que divulga e mediatiza afirmações de uma pessoa, proferidas num contexto privado e sem o seu consentimento? Neste pressuposto, que obrigação tem Augusto Santos Silva de se retratar de umas palavras que nunca quis que fossem públicas? Não se infira destas minhas dúvidas que subscrevo o teor das palavras ditas. Simplesmente, indigna-me a forma como "jornalisticamente" se acedeu às mesmas e posteriormente foram divulgadas, dando origem a uma polémica mediática. No universo das conversas privadas, certamente que a maioria (para não dizer a totalidade) das pessoas já proferiu afirmações "politicamente incorretas". Agora imagine-se que as mesmas passam agora a ser divulgadas publicamente sem o consentimento das pessoas, por jornalistas que à socapa gravam e registam via vídeo e áudio essas afirmações. Se isto não configura um modus operandi digno de um Big Brother jornalístico, pergunto onde fica a linha que separa a privacidade a que todos temos direito?