Roberto Almada: "O PS/Madeira desertou da oposição"

Em entrevista ao Esquerda.net, o primeiro candidato do Bloco de Esquerda às Regionais de 24 de setembro diz que é urgente voltar a ter no Parlamento Regional a voz de denúncia e combate a um "regime que protege meia-dúzia de privilegiados".

A Região Autónoma da Madeira vai a votos no próximo dia 24 de setembro para eleger a Assembleia Regional. Na última eleição, o PSD perdeu a maioria absoluta e o Bloco não conseguiu eleger deputados. Apesar da diferença de apenas um deputado entre a nova maioria PSD/CDS e o conjunto da oposição, isso não se traduziu em mais combatividade ou na fiscalização do executivo e menos ainda na construção de uma alternativa à esquerda, aponta Roberto Almada nesta entrevista ao Esquerda.net.

Nestas eleições regionais, o Bloco aposta no regresso à representação parlamentar. O que perdeu a Assembleia Regional madeirense com a ausência de deputados bloquistas no último mandato?

Perdeu sobretudo capacidade reivindicativa. As pessoas que todos os dias nos encontram nas ruas dizem que a oposição no Parlamento Regional atualmente está mais branda, não há quem - como o Bloco fazia - fiscalize de forma determinada e sem medo a atividade do Governo Regional. Fomos durante muito tempo e somos hoje a única voz contra o privilégio de alguns e pelos direitos e respeito devidos a todas as pessoas. É por isso que todos os dias nos dizem que o Bloco faz falta no Parlamento Regional: para fiscalizar os atos do Governo Regional, para denunciarmos todas as situações que fazem com que este regime beneficie uns poucos em detrimento de muitos. O Bloco faz falta sobretudo para que tenhamos uma oposição forte à maioria PSD/CDS.

 

Depois das décadas do "jardinismo" e do fim da maioria absoluta do PSD nas últimas eleições, achas que esta eleição pode resultar numa mudança de rumo para a Madeira?

O que pode realmente ser novo nesta eleição é a reentrada do Bloco de Esquerda no Parlamento da Madeira para defender os madeirenses e fazer propostas que vão no sentido de resolver os problemas que os madeirenses têm. Que seja uma voz contra o medo instalado na Madeira e contra os desmandos deste regime que não é tão diferente do "jardinismo". Miguel Albuquerque instalou na Madeira um regime que é a continuação do "jardinismo". É uma espécie de "primavera albuquerquista do jardinismo". É tudo parecido. O Partido Socialista, que nas últimas eleições regionais teve um bom resultado, quase igualando o PSD, foi um flop, uma desilusão para muitas pessoas que à esquerda, muitos socialistas, votaram no PS para ser uma alternativa. A verdade é que o PS não foi alternativa nenhuma e acabou por não ganhar e trair a confiança de quem votou. Nem uma oposição decente foi capaz de fazer. Desertou da oposição, abandonou quem confiou neles em 2019.

Na Madeira, como na República, o PS tem sido uma desilusão até para muitos socialistas. Nestas eleições é preciso dizer ao povo de esquerda na Madeira, ou àquelas pessoas que votaram no PS porque acharam legitimamente que estavam a ajudar a construir uma alternativa, que têm aqui no Bloco de Esquerda o único partido socialista na Madeira onde podem votar sem medos. Nunca faremos o frete a Miguel Albuquerque. Nunca desertaremos e sempre estaremos ali para combater este regime que protege meia-dúzia de privilegiados em detrimento de milhares e milhares de madeirenses e portossantenses.

 

No plano económico, o Bloco tem criticado o peso excessivo dos setores do turismo e da construção na Região. Que consequências tem tido esse peso para a vida das pessoas?

Fazemos essa crítica e por razões diferentes: o turismo tanto pode ser motor da economia como causa de atraso. Como todas as atividades económicas, precisa de regras. A questão não é apenas de densidade, mas também do cumprimento das regras do trabalho, o pagamento de salários dignos, o respeito pelo meio ambiente. O turismo desregrado serve o enriquecimento de alguns à custa dos baixos salários de quase todos.

Por outro lado, a beleza natural da Região é a nossa "galinha dos ovos de ouro" e deve ser protegida com regras ambientais fortes que travem o crescimento descontrolado do turismo e da construção. Queremos turismo, o turismo é essencial para a Madeira, mas deve fazer parte de uma economia diversificada e de um modelo de desenvolvimento com responsabilidade social e ambiental.

"A Madeira está cheia de casas de luxo para quem não mora cá"

No que diz respeito à construção, têm sido construídos sobretudo hotéis e grandes e vistosos apartamentos que são comprados pelos turistas, pois os madeirenses não têm dinheiro que chegue. Miguel Albuquerque diz que o problema da habitação está em vias de resolução rápida na nossa Região. Mas a única coisa rápida que o Governo Regional conseguiu foi a subida de preços. Os preços das casas na Madeira tiveram o maior aumento do país. Desde 2019 a venda de casas a não-residentes mais do que duplicou e o preço triplicou. Comprar casa passou a custar em média meio milhão de euros e arrendar custa mais de mil euros por mês. E Miguel Albuquerque continua a querer mais vistos gold, ajuda milionários russos e faz a vida difícil a quem trabalha na Região. Construir mais casas não resolve o problema, do ponto de vista ambiental é um desastre. E sem acabar com vistos gold e outros que tais, mais construção é sempre para mais especulação. A Madeira está cheia de casas de luxo para quem não mora cá.

É preciso limitar os preços para garantir casas que as pessoas que aqui trabalham possam pagar. As pessoas não precisam de subsídios, querem poder pagar a casa com o seu salário. É por isso que propomos regras simples para baixar os preços da habitação na Madeira. Direcionar o mercado imobiliário para a habitação, com limites no licenciamento de novos hotéis e alojamentos locais, acabando com vistos gold e benefícios fiscais à especulação. Queremos que os novos empreendimentos só possam ser licenciados se 25% forem dedicados a casas de arrendamento acessível. E nas rendas, é preciso impor tetos máximos tendo em conta a dimensão e localização da casa. As leis que determinam apoios já têm tetos máximos e quando se fala de apoios à renda, nenhum governo vai pagar a diferença entre o que uma família pode pagar e os 2.000 euros que estão a pedir por um apartamento T3. Sem hipocrisias, que se estabeleça um limite.

Outro dos fatores que aumenta a dificuldade em conseguir casa é o baixo poder salarial. A média salarial na Madeira é inferior à média nacional. Não conseguimos que os nossos casais jovens tenham salários para adquirir a sua habitação ou sequer arrendar uma habitação decente. É preciso valorizar os salários e pensões e fazer com que as pessoas tenham mais rendimentos para conseguir pagar a sua habitação. Hoje não podem porque Albuquerque e os seus afilhados entendem que a habitação na Madeira é para os empresários russos que vêm para cá comprar casa e deixam-na fechada todo o ano.

 

Se pudesses destacar três propostas do Bloco que marcam a diferença nesta campanha, quais seriam?

A primeira é a que já falei sobre o direito à habitação. É uma proposta que ninguém tem a coragem de apresentar mas que para nós é absolutamente fundamental para garantir aos madeirenses o direito constitucional a ter uma habitação, o que é cada vez mais difícil na nossa Região.

Em segundo lugar, destaco uma proposta no âmbito fiscal. Antes do Programa de Ajustamento Financeiro da Madeira, que foi implementado pela troika e pelos governos da República e Regional em 2012, os madeirenses tinham taxas de IVA a 16% na taxa mais elevada, 9% na taxa intermédia e 4% na taxa mínima. Esse programa veio aumentar estas taxas para valores muito próximos dos que se praticam no Continente. Mas nunca o Governo Regional, mesmo depois de acabar esse malfadado programa de ajustamento, quis voltar a baixar o IVA para os valores que tínhamos em 2012. Diz Miguel Albuquerque que baixar um ponto no IVA são muitos milhões de euros perdidos pela Região Autónoma. Não percebemos esta atitude, já tivemos o IVA nesses patamares que referi. E o mesmo Albuquerque diz que a Madeira está com uma economia pujante, até com superávite, que não há falta de dinheiro e que a pobreza é uma invenção da oposição. No Parlamento vamos insistir muito nesta proposta de descida do IVA - e também do IRS, que já é permitida pela Constituição e pela Lei de Financiamento das Regiões Autónomas. Podendo fazê-lo, Miguel Albuquerque não o faz, dá antes borlas aos amigos enquanto mantém os madeirenses e portossantenses sob uma austeridade que do nosso ponto de vista é injustificável.

Uma terceira proposta que marca a diferença, desta vez na Saúde. Queremos o incentivo à exclusividade no setor público e o reforço dos recursos humanos, a implementação dos tempos máximos de resposta como uma das formas de combate às listas de espera intermináveis para cirurgias e atos médicos. Queremos garantir o funcionamento permanente de um centro de saúde no norte da ilha da Madeira e implementar a especialidade de medicina dentária nos centros de saúde, acessível a todas as idades. E também incentivar à política da unidose no medicamento para combater o desperdício e implementar um Plano Regional de Saúde Mental, que é o parente pobre da saúde na nossa Região.

Estas são apenas algumas das propostas do nosso programa eleitoral, que pode ser consultado em madeira.bloco.org