Um novo modelo de acesso à habitação

Cooperativas de habitação - um instrumento ao serviço dos municípios para intervir no mercado de arrendamento local, investir em habitação social, combater o flagelo dos despejos das famílias endividadas e acabar com o negócio dos fundos abutre que enriquecem com a desgraça alheia – os negócios de recuperação de créditos.

Portugal é o país da Europa onde mais famílias são proprietárias das casas onde habitam. O congelamento do arrendamento, um período de juros baixos e crédito fácil e a visão conservadora “uma família, uma casa e um carro”, a isso conduziram. A crise bancária e as politicas de empobrecimento que se lhe seguiram levaram muitas famílias ao desespero, a perderem a sua casa (a propriedade e o usufruto). É um flagelo social ao qual os municípios podem dar uma resposta mais eficaz que até aqui, através do modelo cooperativo. Podem com reduzido investimento reforçar a oferta de habitação social, regular o mercado local de arrendamento, acabar com os despejos e com o negócio de empresas abutres.

A autarquia cria uma cooperativa para adquirir os imóveis das famílias em dificuldades no cumprimento do crédito à habitação, sem ter de desembolsar qualquer euro: as habitações são pagas com a emissão de títulos de capital representativos do capital social da própria cooperativa, tornando-se a família e o banco cooperantes; ou pela emissão de títulos de investimento tornando-se a família e banco credores da cooperativa; ou contraindo um crédito hipotecário; ou ainda por uma combinação destas três figuras, para equilibrar os interesses das três partes envolvidas – cooperativa, bancos credores e famílias endividadas. 

Por cada imóvel adquirido a cooperativa aumenta o número de cooperantes e o seu capital social (ou o passivo pelo valor dos títulos de investimento emitidos e dos empréstimos contraídos), por um lado e por outro reforça o seu património. As habitações adquiridas ou são arrendadas aos anteriores proprietários que mantêm a sua casa ou ficam disponíveis para outros fins - arrendamento social ou venda.

As famílias alteram o seu património, trocam a propriedade da sua casa e a dívida ao banco, por títulos de capital na cooperativa ou uma combinação de títulos de capital e títulos de investimento. Negoceiam com esta, o arrendamento da sua casa, ou mudam-se para outro imóvel disponível com uma renda mais acessível. Pode ser prevista uma opção de compra a exercer num determinado prazo e a possibilidade de as rendas serem pagas com os títulos da cooperativa.

Para os bancos há a vantagem de substituir créditos problemáticos pela participação no capital das cooperativas e/ou pela aquisição de títulos de investimento ou ainda por um novo crédito hipotecário de melhor qualidade. Os títulos de investimento são transmissíveis e podem posteriormente ser colocados pelos bancos junto dos seus clientes, como instrumentos de poupança.

Os municípios ganham uma forma de investir em habitação social sem despesa orçamental. Podem reservar uma percentagem de votos na assembleia geral de cooperativa, que lhes garanta o controlo das decisões. O endividamento das cooperativas pode ou não relevar para a dívida global dos municípios, dependendo do grau de controlo exercido, isto é, da percentagem de votos reservada.

Com este instrumento os municípios podem travar o negócio dos fundos abutre, como a Arrow, empresa de Maria Luís Albuquerque, que se alimentam da desgraça alheia. Dedicam-se a comprar por atacado créditos em incumprimento, por 10 por cento do valor de mercado dos imóveis, de seguida despejam as famílias o mais rápido possível para venderem as casas a metade do seu valor real, realizando assim com um lucro de 300 a 400 por cento. 

Para reforço da capacidade financeira e operacional das cooperativas, o Fundo de Capitalização da Segurança Social deverá adquirir títulos de investimento, como aplicação financeira de longo prazo e de baixo risco que efetivamente é o investimento em imóveis.

As cooperativas são organizações cuja gestão é democrática – uma pessoa, um voto, independentemente do valor da participação no capital. A sua atuação deverá ser alargada à gestão dos bairros sociais existentes, fazendo dos atuais inquilinos cooperantes e incentivando a sua participação democrática na gestão da cooperativa e dos bairros, numa lógica de empoderamento, responsabilização e emancipação social.

Este modelo é um instrumento para mudar o paradigma do acesso à habitação, da propriedade para o arrendamento o que a médio prazo combate o conservadorismo característico de uma sociedade de proprietários e facilita a mobilidade geográfica. Um modelo não especulativo para o investimento e gestão do parque habitacional, de propriedade coletiva e gestão democrática e participativa, que fomenta a solidariedade social e combate o individualismo decorrente da propriedade.

 (versão revista do contributo publicado no boletim autárquico #1)