Sobre a Tolerância...

Sendo hoje véspera de Natal, não resisto a aproveitar este meu artigo para dissertar um pouco sobre algo que nesta época muitos de nós fazemos referência: a Tolerância!

Esta é efetivamente uma altura onde se apregoam as virtudes desta característica da natureza humana, procurando-se assim que a mesma seja uma atitude presente ao longo de todo o ano e não só em determinados e pontuais momentos.

Para início de reflexão, importa clarificar e definir este conceito: tolerância será a atitude que consiste em deixar aos outros a liberdade de exprimirem opiniões divergentes e de viverem em conformidade com tais opiniões. Simultaneamente poderá também ser entendida como indulgência ou condescendência em relação a determinados erros ou falhas.

Neste pressuposto somos assim tentados a considerar e a assumir a tolerância como uma exigência moral e ética para o nosso comportamento quotidiano. Todos nós temos direito à nossa opinião e gostamos de poder exprimi-la livremente sem receio de sofrer qualquer tipo de represália. Coerentemente deveremos também articular as nossas atitudes com as ideias que defendemos, sob pena de perdermos toda e qualquer credibilidade quando o nosso comportamento colide frontalmente com aquilo que apregoamos. Outro aspeto que também não pode ser descurado, é que pelo facto de sermos humanos, somos todos suscetíveis de errar e falhar. Ninguém é imune ao erro e à falha. Logo, adotarmos de princípio uma postura de intransigência perante os erros dos outros, é admitirmos a nossa infalibilidade, algo que é manifestamente irrealista. Assim, num processo de julgamento de erros e falhas de terceiros, antes de eventualmente procedermos a qualquer tipo de condenação, importa tentar perceber as causas desses comportamentos incorretos e o contexto onde ocorreram. E acima de tudo, tentar sempre nos colocarmos no lugar de quem errou e de quem estamos a julgar e a querer condenar. Porventura ao assim procedermos seremos muitas vezes confrontados com a constatação de que também nós, sujeitos às mesmas circunstâncias envolventes, teríamos comportamentos similares. Acresce ainda dizer, que por vezes (in)conscientemente, condenamos atitudes de terceiros, quando no passado já fomos igualmente protagonistas de comportamentos similares e nessa altura pedimos indulgência e condescendência para os mesmos, tolerância essa que agora recusamos aos outros.

Do que acabei de expor, poder-se-á inferir que estarei a defender a tolerância como um valor absoluto e supremo. No entanto tal não deverá ser sempre assim e passo a explicar: pegando na questão de sermos tolerantes com opiniões divergentes e comportamentos consonantes com as mesmas, como deveremos agir perante opiniões e comportamentos de natureza nazista, fascista e antidemocrática? Neste domínio duas teses de resposta existem: uma defendendo que através do uso da liberdade de expressão deveremos rebater essas ideias e evidenciar o seu caráter injusto. O problema desta resposta resulta de que poderá não ser suficiente e persuasiva a retórica argumentativa para demover os incautos de aderirem a esses ideais e posteriormente pô-los em prática, acabando assim com as condições para uma convivência coletiva num ambiente democrático e tolerante. Por causa desta possibilidade, existe a segunda resposta que se traduz em sermos perfeitamente intolerantes e intransigentes com ideias e atitudes que visam o derrube da liberdade e em última instância o aniquilamento da própria tolerância. É assim compreensível esta defesa da intolerância a determinadas ideologias que advogam a intolerância no seu teor. Este paradoxo da tolerância (na defesa da tolerância, temos de ser intolerantes com quem é contra a tolerância) foi muito bem explicitado e desenvolvido por Karl Popper na sua obra “A Sociedade Aberta e os seus Inimigos” e reconheço que tem muita validade e pertinência.

Posto isto, qual a conclusão? Por princípio deveremos adotar a tolerância como postura e conduta privilegiadas no nosso quotidiano, procurando compreender e colocarmo-nos no lugar do outro, sem prejuízo de em determinadas situações, de adotar uma atitude de “legítima-defesa”, isto é, sermos intolerantes para com quem não é tolerante.

Em suma, como muito bem disse e escreveu Voltaire no seu célebre Tratado sobre a Tolerância: “O direito humano em caso algum pode fundar-se sobre outra coisa que não seja o direito de natureza. E o grande princípio, o princípio universal de um e do outro é: Não faças o que não quererias que te fizessem.”

Termino desejando a todos os jornalistas, funcionários, colaboradores e leitores do JM um Feliz Natal e um próspero ano novo! Sejam Felizes e…Tolerantes!

 

Publicado em JM-Madeira.pt