Sobre as propinas...

Rui Rio, líder nacional do PSD, afirmou publicamente, reagindo a uma declaração do Ministro do Ensino Superior na qual defendeu o fim das propinas, o seguinte: “Isto significa que os que não andam na Universidade Pública teriam de pagar pelos que a frequentam.

É esta a justiça social e fiscal deste Governo? A Justiça Social faz-se pela Ação Social, nunca desta forma. Assim não vamos por bom caminho.”

Esta posição de Rui Rio merece-me as seguintes considerações: a existência de um Ensino Superior Público de elevada e superior qualidade é uma mais-valia para qualquer sociedade digna desse nome. Tal facto implica a presença de quadros superiores devidamente qualificados e habilitados em diversas áreas, cujo desempenho funcional reverterá numa melhoria da qualidade de vida da generalidade dos cidadãos. Alguns exemplos: todos nós, quando colocados na condição de utentes dos hospitais e centros de saúde públicos, exigimos (e bem) ser atendidos por profissionais (médicos e enfermeiros) competentes e atenciosos; reivindicamos (e bem) professores pedagogicamente bem preparados para educar e ensinar os nossos alunos nas escolas públicas; quando utilizamos estruturas rodoviárias, portuárias e aeroportuárias, queremos (e bem) que as mesmas sejam seguras e eficazes. Para esse efeito, a ação dos engenheiros e arquitetos responsáveis pela planificação da estruturação e edificação das mesmas é vital e indispensável.

Face a estes três singelos exemplos, fica evidente o elevado retorno social de todo o investimento público no ensino superior e de quão injusto é o argumento de que a abolição das propinas constitui uma transferência de rendimentos de toda a sociedade para indivíduos que são à partida, ou serão no futuro, membros de um grupo privilegiado. Assim, enquanto contribuinte, não me choca nada que os meus impostos estejam a ser aplicados no financiamento da formação superior de muitos dos meus concidadãos. Choca-me sim, saber que a taxa de financiamento dos estudos superiores no nosso país é das mais altas na Europa e também que a percentagem de estudantes que abandonam o ensino superior por razões financeiras é a mais alta. São 80% os estudantes que não têm qualquer apoio, 15% apenas têm as propinas pagas e só 5% têm um apoio complementar. Cai assim por terra o falacioso, demagógico e injusto argumento de Rui Rio. A verdadeira justiça social neste domínio, faz-se através da progressividade dos impostos, na qual quem mais tem, mais irá contribuir. Mas todos, sem exceção, deverão usufruir de igual modo e em igualdade de circunstâncias dos proveitos da ação estatal.

O argumento de Rui Rio é ainda perigoso por duas razões:

A primeira, porque consubstancia um convite à evasão fiscal, uma vez que se o contribuinte achar que o montante do imposto por si pago não lhe traz um retorno direto e objetivo, será tentado a eximir-se de cumprir as suas obrigações fiscais, já que as considera injustas.

A segunda, é particularmente perigosa e perversa para todos nós contribuintes e cidadãos madeirenses (e açorianos). Este argumentário pode ser contra nós esgrimido, pelos continentais, no sentido de terminarem as transferências do Orçamento de Estado para as Regiões Autónomas. Efetivamente poderão os contribuintes continentais também questionar: onde está a justiça social e fiscal no facto de termos de transferir verbas para as regiões autónomas, se não residimos lá? E ainda poderão aduzir o facto de os impostos dos insulares ficarem nos cofres das respetivas regiões autónomas.

Como o leitor assim facilmente verifica, o ponto de vista de Rui Rio é perfeitamente insustentável. O bom caminho é precisamente o oposto do que ele defende.

E não vale a pena vir com o demagógico argumento da falta de recursos financeiros para abolir as propinas. As mesmas custam 335 milhões de euros por ano. Valor que é manifestamente inferior aos 16700 milhões de euros que foram gastos na sustentabilidade do setor financeiro e bancário nos últimos dez anos (média de 1670 milhões por ano).

 

 

Publicado em jm madeira.pt