Autonomia e mobilidade...
Na CRP é claramente estabelecido que as Autonomias Regionais dos Açores e da Madeira visam a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e a defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses. A consagração constitucional da Autonomia Madeirense foi o culminar de um longo processo histórico, recheado de muitos e diversos episódios desde o inicial povoamento. Portanto, por razões históricas está mais que provado que a paternidade da Autonomia é única e exclusiva pertença do Povo Madeirense.
A Autonomia deverá assim ser vista e implementada como um instrumento visando a anulação ou diminuição das assimetrias resultantes do nosso cariz periférico e insular, e não como um fim em si mesmo. A ótica instrumental deverá prevalecer sob uma outra que a torne o objetivo supra de toda a atividade política, e pior ainda, um mecanismo de permanente guerrilha institucional com a República.
Faço esta referência, porque frequentemente tenho visto que a segunda ótica sobrepõe-se, distorcendo o real propósito da Autonomia. Senão vejamos com o seguinte exemplo:
No próximo dia 12 de julho, irá ser debatida na Assembleia da República uma proposta de lei, proveniente da Assembleia Legislativa da Madeira, que visa alterar o as regras do atual subsídio de mobilidade aérea, no sentido de que os passageiros madeirenses no ato de aquisição das viagens para o Continente e/ou os Açores, não tenham de despender mais do que os 86/114 euros respetivamente. Da parte do BE, a aprovação está garantida. Contudo, a aprovação maioritária poderá não estar e nesse cenário, uma eventual solução para esse problema seria o Governo Regional, usando a faculdade que a Autonomia lhe confere, assumir a aplicação do modelo nos moldes previstos na referida proposta de lei, naturalmente com a comparticipação financeira do Estado. Aqui a porca torce o rabo. Todos nos recordamos à reação dos governantes regionais e agentes políticos afetos ao PSD-Madeira à defesa por parte do Ministro das Infraestruturas e do Planeamento, Pedro Marques, que a gestão e implementação do subsídio social de mobilidade deveriam ser, no futuro, definidas no âmbito da autonomia e competência do Governo Regional da Madeira, salvaguardando, sublinho, a garantia da manutenção do financiamento integral para esta matéria. A reação foi inusitada: omitindo-se a garantia do respetivo envelope financeiro por parte da República, procurou-se junto da opinião pública “vender” a ideia que o Princípio da Continuidade Territorial estava a ser posto em causa. Nada mais falso e falacioso. O que a República estava pretendendo é que os órgãos de governo próprio, usando as competências autonómicas que lhe estão consagradas constitucionalmente, revejam, alterem, modifiquem e apliquem um modelo de subsidiação, que recorde-se, foi em 2015 prometido pelo PSD-Madeira e depois desenhado e criado em conjunto com o Governo do PSD de Passos Coelho. Se esta pretensão não é valorizar e respeitar a Autonomia, pergunto o que será então? Pelos vistos, o que se torna evidente com esta reação governativa regional, é a incapacidade para modificar um modelo de subsidiação que colide com os pressupostos e parâmetros de uma linha aérea liberalizada. Numa linha com estas características, qualquer operador de transporte aéreo tem como expetativa receber à cabeça o valor das passagens e bilhetes vendidos. Querer alterar esta regra do jogo, continuando a manter uma linha liberalizada, parece-nos querer o “melhor dos dois mundos”. Se o PSD-Madeira prometeu que nenhum passageiro madeirense pagaria mais do que 86 euros na aquisição de uma viagem, é porque naturalmente teria já equacionada a forma de concretizar essa promessa sem colocar em causa a regra de que, numa linha liberalizada, os operadores recebem à cabeça o valor das viagens vendidas. Se, pelos vistos, agora são confrontados com a inexequibilidade da sua promessa, a responsabilidade jamais poderá ser assacada a quem nunca prometeu, nem criou este modelo.
Usar a desculpa de esta pretensão ser um ataque à Autonomia e à Continuidade Territorial, não é mais do que “um sacudir a água do capote” e não querer assumir as suas próprias responsabilidades!
Publicado em JM-madeira.pt